Ifá – A Bússola da Vida na Tradição Yorùbá

Neste texto, gostaria de compartilhar com vocês uma explicação simples e direta, no entanto mal compreendida da tradição yorùbá: Ifá.

Na foto: O meu Ọ̀rúnmìlà minutos antes de ser oferendado em um ọ̀sẹ̀ awo (pronuncia-se óssé auô, e refere-se ao dia de culto à ele). Os elementos são: Obì (noz-de-cola), omi (água) e ọtí (pronuncia-se: ótii, e é gin).

Ifá não é uma religião, nem meramente uma filosofia. É o nome dado ao culto de Ọ̀rúnmìlà (pronuncia-se órun-mila), um dos muitos òrìṣà (orixá) cultuados pelo povo yorùbá. 

Ọ̀rúnmìlà é considerado o òrìṣà da sabedoria. O sistema de Ifá é uma forma complexa de comunicação com Ọ̀rúnmìlà, que oferece orientação e conhecimento para aqueles que o buscam através de sacerdotes capacitados (um babaláwo ou ìyánífá).

A construção do sistema de Ifá está intimamente ligada a uma figura histórica chamada Ṣẹ̀tilù (pronuncia-se Xétilu). Ele foi um homem cego de etnia Nupé, uma etnia presente na região que hoje compreende partes do Níger (o país) e do estado de Kwàrà, na Nigéria. As lendas nos diz que Ọ̀rúnmìlà (provavelmente Ṣẹ̀tilù) desempenhou um papel de conselheiro espiritual na corte de Odùduwá até o final de sua vida terrena.

A Ṣẹ̀tilù é atribuída a criação do sistema de Ifá como o conhecemos hoje, a forma de comunicação e divinhação que utiliza 256 odù interpretados através de diversos objetos, sendo ikin (sementes de dendezeiro de 4 olhos e sacralizadas) e ọ̀pẹ̀lẹ̀-Ifá (pronuncia-se ópélé ifá) os mais comuns. 

Ele é reconhecido como o primeiro babaláwo (sacerdote de Ifá) historicamente documentado, Ṣẹ̀tilù também era conhecido pelo nome àgbọnnìrègún. Este epíteto (oríkì) é particularmente interessante devido à sua dupla interpretação, dependendo da entonação utilizada, podemos traduzir como “O mais sábio que conhece todas as coisas e é superior a magia”, ou “o sábio que adivinha pelos coquinhos”, enfatizando sua habilidade divinatória, uma referência aos ikin-Ifá.

Curiosamente, os ìtàn (histórias) nos contam que Ọ̀rúnmìlà era cego e havia perdido o braço direito e antes de se tornar o grande sábio que conhecemos, Ọ̀rúnmìlà foi aprendiz de Ajàgùnmàlè (pronuncia-se adjágum malê), adquirindo conhecimentos que mais tarde formariam a base de Ifá. Na tradição yorùbá, Ọ̀rúnmìlà é sempre representado vestido de branco e ele é frequentemente descrito como estando rodeado por uma comitiva de 17 pessoas – os 16 odù e Ọ̀ṣẹ́tùrá (pronuncia-se óxéturá), que pode ser representado por Ọ̀ṣun (sua esposa) ou Èṣù (seu melhor amigo), dependendo da versão da história.

O sistema de Ifá é baseado na interpretação dos 256 odù, que são combinações de símbolos que guardam os conhecimentos sobre todas as situações possíveis na vida humana. Cada odù contém versos, histórias, provérbios e recomendações que oferecem orientação para lidar com as diversas situações.

Portanto, ifá é esse sistema de comunicação com Ọ̀rúnmìlà e ele se comunica com o sacerdote através dos 256 odù, transmitindo-lhes ensinamentos, lições e receitas para a realização de magias e oferendas. Através de ifá podemos nos comunicar com outras divindades, mas será Ọ̀rúnmìlà que irá lhe aconselhar como fazer isso, portanto, a divindade patrona do culto de Ifá sempre será o próprio Ọ̀rúnmìlà.

Um dos conceitos fundamentais ensinados pelos versos de Ifá dentro dos odù-ifã é o ìwà pẹ̀lẹ́ (pronuncia-se iua quipélé), que pode ser traduzido como “bom caráter” ou “caráter excelente”. Este conceito é central na concepção ética e é constantemente enfatizado nos ensinamentos dos odù. O ìwà pẹ̀lẹ́ engloba virtudes como honestidade, respeito, paciência, humildade e compaixão.

Além de seu papel espiritual, os odù também servem como um repositório de conhecimento cultural, histórico e medicinal dos yorùbá. Muitos odù contêm informações sobre plantas medicinais, práticas agrícolas, eventos históricos e costumes sociais. Desta forma, os oráculos que utilizam os odù não são apenas um sistema de divinhação, mas também uma enciclopédia viva da cultura yorùbá.

Na diáspora africana, Ifá tem desempenhado um papel interessante na preservação da identidade cultural e espiritual. Em países como Brasil, Cuba e Estados Unidos, onde muitos africanos escravizados foram levados, Ifá sobreviveu, muitas vezes se fundindo com outras tradições religiosas locais. Conseguimos perceber alguns vestígios de ifá nessas tradições e poucos elementos ainda seguem inalterados.

É crucial entender que, embora Ifá ofereça orientação e conhecimento, ele não prega a passividade ou a aceitação cega do destino. Pelo contrário, Ifá ensina que cada pessoa tem a capacidade e a responsabilidade de moldar seu próprio destino através de suas ações e escolhas e deve lidar com as consequências de seus atos. Mesmo que haja um acordo feito ainda no mundo espiritual (ọ̀run), você pode desfazer esse acordo para que não sofra as consequências do descumprimento dele. O papel do Ifá é oferecer ferramentas e conselhos para ajudar as pessoas a fazerem escolhas informadas e éticas.

Ao estudar e compartilhar esse conhecimento, busco promover uma compreensão mais profunda e respeitosa dessa faceta importante da tradição yorùbá. Ifá representa não apenas um sistema de crença, mas uma forma de ver e interagir com o mundo que enfatiza a sabedoria, o equilíbrio e o bom caráter através dos conselhos de Ọ̀rúnmìlà, nosso testemunho do destino (Ẹlẹ́rìí ìpín).

Que Ọ̀rúnmìlà e os irúnmọlẹ̀ te concedam sabedoria e abundantes bênçãos por toda a eternidade!

Até mais! 😊

Publicado por

Awo Fáfúnmólú Oyékàlẹ̀

Sou um paulistano apaixonado pelo Brasil e por seu desenvolvimento espiritual, religioso e cultural, que busca estudar esse desenvolvimento também de forma acadêmica. Sou sociólogo e iniciado em Ifá, Stregoneria e Caatimbó. Meu objetivo é praticar essas tradições e estudar como elas influenciaram o Brasil-mágico que conhecemos hoje.

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