Neste texto, gostaria de compartilhar com vocês um conhecimento profundo e muitas vezes mal compreendido da tradição yorùbá (iorubá): as Ìyàmi Òṣòròngà. Este é um tema que exige respeito e cuidado ao ser abordado, pois toca em aspectos fundamentais da espiritualidade e do poder na cosmovisão yorùbá.
As Ìyàmi Òṣòròngà (pronuncia-se iãmi oxoronga) são seres a quem Olódùmarè, o criador supremo, concedeu um poder extraordinário. É importante notar que não é recomendado pronunciar esse nome diretamente; por isso, usamos pseudônimos (oríkì) para nos referirmos a elas.
Conhecidas como Ẹlẹ́yẹ (pronuncia-se élééié, e significa “a dona dos pássaros”), elas são frequentemente associadas a pássaros, que utilizam como manifestação de seu poder, embora algumas possam usar outros animais, como gatos. As mulheres que fizeram um pacto com as Ẹlẹ́yẹ e receberam de Olódùmarè o dom de dar vida às coisas através da fala, tendo a capacidade de fazer proclamações que se materializam, passam a ser reconhecidas como àjẹ́ (pronuncia-se adjé e significa “bruxa”). Os homens que compartilham desse poder são chamados de oṣó (pronuncia-se oxô e significa “bruxo”).
É crucial entender que ser uma àjẹ́ não implica necessariamente em maldade. O poder pode ser usado para boas ações, e cada indivíduo tem a capacidade de utilizá-lo conforme sua vontade. Este poder pode se manifestar de diversas formas, às vezes residindo nos olhos, permitindo influenciar alguém apenas com o olhar.
Uma característica marcante de uma àjẹ́ é a precisão de suas palavras. O que ela diz, acontece. É importante ressaltar que é um èèwọ̀ (pronuncia-se euó e significa “tabu”, “proibição”) identificar-se ou proclamar-se como àjẹ́ ou oṣó. Diz-se que uma pessoa que afirma “eu sou uma àjẹ́ / oṣó” está quebrando o juramento, portanto, irá enfrentar a ira das Ẹlẹ́yẹ, além de perder os poderes que lhe foram concedidos por Olódùmarè através delas.

Em meus estudos e práticas, aprendi sobre as formas de apaziguar as Ẹlẹ́yẹ. Enquanto em alguns países, como o nosso Brasil, é comum reservar um local específico para isso nos terreiros de Candomblé, na tradição Yorùbá não há um lugar particular para essa prática. Realizamos sacrifícios usando animais como o porco, pois Ifá nos ensina que o porco é aceito pelas Ìyàmi, assim como ratazanas de mato (òkété). Também podemos usar intestinos de animais ou partes sem ossos para apaziguá-las, acalmá-las e buscar suas bênçãos.
Na cultura yorùbá, existem várias formas de reconhecer uma àjẹ́. Acredita-se que uma mulher com barba possa ser uma delas, pois a barba não é natural em mulheres. Também pode ser identificada quando uma pessoa faz previsões que se concretizam repetidamente ou fala constantemente sobre algo que vai acontecer e eventualmente acontece.
É importante destacar: há uma diferença entre uma pessoa que diz coisas óbvias o tempo todo e, ao dizer coisas óbvias, acerta, ou pessoas que falam demais sobre tudo e inevitavelmente acabam acertando algumas coisas. Estamos falando de pessoas que, após o pacto com elas, passam a ter um poder em sua voz de mudar a probabilidade dos acontecimentos, induzir a ação das pessoas e das coisas ao seu redor.
As Ẹlẹ́yẹ possuem o poder de fazer as coisas darem certo. Seus pactuados tendem a prosperar, e tudo que tocam floresce. Olódùmarè as criou para construir o universo e, por consequência, estão acima do bem e do mal, devido ao grande poder que lhes concedeu. Seus adeptos acabam não entendendo essa diferença e procuram-nas por um fetiche em se tornar alguém extremamente poderoso, ignorando a consequência dos juramentos.
Não existe um processo formal de iniciação para se tornar uma àjẹ́ ou oṣó. Às vezes, o poder é passado de mãe para filha como uma herança sanguínea. Elas também podem convidar pessoas para se juntarem a elas, fazendo pactos com a condição de mantê-los em segredo absoluto.
Ao estudar e compartilhar esse conhecimento, busco promover uma compreensão mais profunda e respeitosa dessa faceta importante da tradição yorùbá. As Ìyàmi Òṣòròngà representam o poder primordial e a capacidade de transformação, aspectos fundamentais para entender não apenas a cultura yorùbá, mas também como essas tradições influenciaram e continuam a influenciar a espiritualidade brasileira e outras culturas e práticas espirituais que beberam dos yorùbá.

Para finalizar, gostaria de fazer um importante apontamento quanto à pronúncia. Além de ter deixado claro que não é recomendável pronunciar o nome completo “Ìyàmi Òṣòròngà”, não devemos cometer o erro tonal em seu nome. Ìyàmi, do jeito que eu escrevi, pronuncia-se algo como “iãmi”, mas encontramos em muitos lugares escrito “ìyámi”, sendo pronunciado “ia mi” (tendo a sílaba tônica no “ia”). A tradução dessas duas palavras é diferente: Ìyàmi é o nome delas, enquanto “ìyámi” é a abreviação de “ìyá mi”, que significa “minha mãe”.
Podemos usar o termo ìyá mi ou ìyámi para qualquer figura feminina que nos aconselha e nos educa, seja mãe carnal, professora de escola, tia, prima mais velha, enfim. Inclusive divindades femininas como Yemọjá, Ọ̀ṣun e etc. Entre os próprios yorùbá, eles citam que não chamamos as Ẹlẹ́yẹ de mãe, porque elas não são mães, elas não são da nossa espécie (humano, ènìyàn que é a palavra yorùbá para humanos), e tão pouco possuem relação direta conosco. Elas possuem relação direta com a CRIAÇÃO do universo, elas são a figura primordial nossa, na mesma proporção que tem os animais, as pedras, as plantas, tudo. Não há uma relação direta CONOSCO, mas sim com tudo o que tocamos e vemos, e é por isso que não é aconselhável fazer essa relação.
Chamá-las para sua vida dizendo “Minha mãe Òṣòròngà” ou “minha mãe, dona dos pássaros” (ìyámi Òṣòròngà e ìyámi Ẹlẹ́yẹ, respectivamente), é clamar a atenção de um ser que tem dentro de si tanto poder e que não tem um histórico de gostar de nós, humanos, pois nós destruímos concomitantemente o ecossistema. Então sempre que elas viram sua atenção para um de nós, é sempre com um tom de raiva e ódio.
Precisamos sempre nos afastar de sua ira e, quem fizer juramento a elas, segui-los à risca, pois não há meio termo. É por essas e outras que não as evocamos, e sim respeitamos e agradecemos seu auxílio nos problemas e encerramos o papo. Procuramos pacificar a relação e nos afastar. Elas equilibram o universo, não são boazinhas, pois o universo não é organizado e pacífico, elas são necessárias e o universo é o que é. Ponto.
Que Ọ̀rúnmìlà e os irúnmọlẹ̀ te conceda sabedoria e abundantes bênçãos por toda a eternidade!
Até mais! 😊