Neste texto, gostaria de compartilhar com vocês alguns conceitos sobre o culto aos ancestrais em terras iorubanas (yorùbáland) e esclarecer aspectos muitas vezes mal compreendidos e difundidos pelos adeptos da diáspora.

Também conhecido por Ará-Ọ̀run, o culto de Egúngún não é o único culto aos ancestrais, e engana-se quem propaga que Egúngún representa unicamente os ancestrais.
Para entender esse fato, precisamos nos debruçar sobre o Império de Ọ̀yọ́ (pronuncia-se óióó), que existiu aproximadamente de 1300 a 1894 do nosso calendário.
Muitas culturas aborígenes divinizam seus reis, líderes das comunidades, generais e pessoas importantes para o convívio comunitário, e com os yorùbá não seria diferente. Portanto, quando o império foi erguido por Ọ̀rányàn (pronuncia-se Órániã) e a sucessão dos seus filhos ao cargo, foi criada uma devoção à figura central que estivesse sentada no trono (Aláàfin). O terceiro Aláàfin (rei de Ọ̀yọ́) foi Tẹ̀là Òkò (pronuncia-se téla oco), e ficou conhecido por todos nós como Ṣàngó (pronuncia-se como conhecemos: Xangô). O reinado expandiu bastante e aproximadamente em 1490 (do nosso calendário) começou uma guerra do império contra os Nupe (um reinado oposto).
Essa guerra durou mais ou menos 80 anos, mas o processo durante a guerra teve um fator determinante no nono Aláàfin, o Òfiràn (pronuncia-se ofirã), que reinou de 1520 a 1537. Ele ficou conhecido como o Aláàfin que aceitou os conselhos de Ifá para o Império Ọ̀yọ́, pois durante um momento da guerra, a cidade central de Ọ̀yọ́ foi invadida pelos Nupes e eles sobrepuseram o castelo, fazendo com que a corte tivesse que se retirar para se reestruturar. Nesse processo de exílio e planejamento, Ọ̀yọ́ estava fragilizada e Òfiràn precisa planejar uma retomada da capital. Nesse processo, foi revelado Ifá para o rei e lhe foi aconselhado cultuar os ancestrais reais, manter a tradição deles viva, que isso traria glórias ao império. Então, através desses conselhos, surgiu o culto de Egúngún em Ọ̀yọ́.
Ifá aconselhou os Ọ̀yọ́ Mèsì (o conselho real) sobre como deve ser feito o culto a Ológbojò (pronuncia-se olôbodjo) que, segundo a tradição, seria o ancestral espiritual primordial, o òrìṣà (pronuncia-se como conhecemos: orixá) central no culto de Egúngún.
O culto de Egúngún foi sendo formatado, Òfiràn conseguiu retomar a capital, e ele passou o trono em 1537 para seu primogênito Egúngúnojú, que reinou de 1537 a 1554. Seu nome é uma homenagem a Egúngún.
Essa relação do império com Egúngún reflete-se até hoje, pois o sumo-sacerdote internacional do culto de Egúngún (Alápínni) é, por regra, um membro do conselho real de Ọ̀yọ́, os Ọ̀yọ́ Mèsì.

No entanto, existem vários cultos aos ancestrais em terras yorùbá. Agẹmọ, Orò, Ìgunnukó são alguns exemplos de cultos, pois muitos deles são regionais, mas Egúngún ganhou força e prestígio pela força do império de Ọ̀yọ́, gerando a sensação de que ele é o culto central e, portanto, a única forma de cultuar os ancestrais.

Veja: Egúngún e Orò são cultos antagônicos e uma família não pode fazer parte dos dois cultos. Então, uma família que tem Orò cultua os antepassados como Orò recomenda, enquanto uma família que tem Egúngún cultua os antepassados como Egúngún aconselha. Interessante, né?
Ètùtù (pronuncia-se êtutu) é o nome do ẹbọ (significa sacrifício e pronuncia-se ébó) específico para apaziguar e cortejar Egúngún.
Além disso, o festival Egúngún normalmente ocorre entre maio e julho, tendo a duração de 17 a 21 dias. Neste festival tocam-se os tambores (ìlù) próprios para Egúngún, cujos nomes são: Bàtá, Gangan, Àgẹ̀rẹ̀, Dùndún e Àdàmọ̀. Enquanto os tambores estão tocando, Egúngún incorpora em um Ọlọ́jẹ̀ (pronuncia-se ólódjé) devidamente preparado, que veste a roupa (aṣọ Ìyámojè). A roupa de Egúngún também pode ser feita com penas de aves, peles e ossos de animais e, enquanto manifestado, ele empunha uma vara para bater nas pessoas, chamada àtọ̀rì (pronuncia-se atóri).
Durante o festival, é necessário que chova em um dos dias para que haja as bênçãos que vêm do ọ̀run (pronuncia-se órum e significa mundo espiritual) para o ayé (pronuncia-se aiê e é o mundo em que vivemos, dos vivos). Durante essa chuva, entende-se a presença de Ṣàngó.

Por fim, Egúngún se cultua de vermelho (pupa) e em pé. Em seu culto, é terminantemente proibido (èèwọ̀, pronuncia-se euó) e ser oferendado com animais fêmeas. Para algumas famílias, Egúngún não deve ser cultuado à noite, como é o meu caso.
Ao estudar e compartilhar esse conhecimento, busco promover uma compreensão mais profunda e respeitosa dessa faceta política, religiosa e cultural importante da tradição yorùbá.
Que Ọ̀rúnmìlà e os irúnmọlẹ̀ te concedam sabedoria e abundantes bênçãos por toda a eternidade!
Até mais! 😊